“A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente.”
A frase é atribuída a Albert Einstein e ele referia-se, é claro, ao Tempo físico, quantificável e mensurável, e não ao Tempo intangível e filosófico, percebido como o campo das nossas vivências.
Henri Bergson, contemporâneo de Einstein, defendia uma ideia completamente diferente, em que o futuro e o presente não existem, em que só há o passado. E em que somos, a cada momento, o resultado das vivências passadas.
Se assim for, então é indissociável pensarmos na enorme plasticidade da Memória. A tal que nos prega partidas, que umas vezes esconde e outras revela, que sobrepõe, mistura e chega mesmo a alterar as recordações que guardámos. Como se fossemos feitos de múltiplos planos que se sobrepõem, em que as impressões do que sentimos se intercalam e se vão modelando com o passar do Tempo e que dependem do estado emocional em que as evocamos
Justapor cinquenta e um desenhos e duas instalações que evocam noções tão distintas sobre o mesmo assunto não é inocente. Não é uma competição entre teorias de diferentes correntes de pensamento porque, há luz desta exposição, todas são verdadeiras, mesmo que se contradigam. Todas são verdadeiras, exatamente porque todas coexistem no Tempo.
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Ideia simples, Ideia Compexa #1 a #4, 2021
acrílico, barra de óleo e carvão sobre papel
110 x 85 cm e 85x110 cm
O fascínio por estas matérias foi o fio condutor para as interpretações plásticas em que trabalhei nos últimos meses e que resultaram na seleção de trabalhos que agora exponho com o intuito, talvez um pouco provocatório, de nos tocar no ombro, mesmo que ao de leve, pedindo uma reflexão que perdure para lá da visita à exposição, que saia connosco e nos deixe a pensar…
Afinal o que significa, para cada um de nós, isso do Tempo e da Memória?
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Dispositivo de Tempo #1 a #11, 2021
guache sobre papel
30 x 21 cm cada
(emoldurados)
Dispositivo de Tempo #12, 2020-2021
toner, guache e barra de óleo sobre papel de arroz montado sobre papel de algodão e papel kraft
126 x 178 cm
(emoldurado)
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Persistir no existir da Obra
Existem duas maneiras de abordar a materialidade do mundo/das coisas. Rodeando-as ou entrando nelas. Patrícia Magalhães escolhe entrar nas coisas, opta por penetrar na duração da matéria e não conhecê-la propriamente. Desta forma, faz voltar a consciência para a duração interior do “eu profundo”, esse lugar onde cada facto interpenetra outro facto. Nesta sua exposição “distensão da alma”, a artista procura a realidade das coisas fora do que se move, muda e fora dos nossos sentidos e do que a consciência percebe. A realidade que lhe interessa é a movente e a memória que visa é a persistente. Em ambas encontra a revelação, o intervalo, a duração…a diferença naquilo que se repete. No conjunto das suas obras podemos perceber uma estética da inexistência ou, de outra forma, uma estética do tempo reversível; contrária ao tempo que depende do movimento e em que o próprio ser do tempo é irreversível: tempo da degradação. Na realidade, Patrícia Magalhães quer libertar-se do tempo que caminha para a degradação e mergulhar num tempo-criação. Para haver tempo é necessário que haja movimento: blocos de espaço-tempo. Sempre que nós pensamos o tempo ― invariavelmente ― nós pensamos o tempo como sendo uma sucessão: alguma coisa que começa no passado; vem para o presente; e vai para o futuro. Sucessão é sinónimo de movimento. No plano da realidade quotidiana as dimensões do tempo passado, presente e futuro são muito fáceis de entender. Entendemos o tempo como se fosse uma sucessão. A sua passagem é regida pela lei da irreversibilidade, ou seja, sendo irreversível, ele só se movimenta para a frente. Deixa assim de haver retorno, quer dizer, o que foi não volta mais. O presente é sempre um "tempo-perdido", uma perda de nós próprios e dos que nos pertencem... A possibilidade que haveria de salvar este tempo que se perdeu é esgotada num momento anterior. O tempo trás consigo algo de ontologicamente sacrificial… de doloroso, numa dupla amplitude: como sofrimento do mundo e como intensificação da sua experiência.
Patrícia Magalhães ao aventurar-se num tempo-criação acaba por encontrar o seu problema/tema: se o tempo está intimamente ligado ao movimento, então libertar o tempo é vencer a degradação, entenda-se a morte (de si e da obra). O que a artista coloca nas suas obras são as vibrações do tempo e do pensamento: o tempo e o pensamento a vibrar. Não tem como questão representar aquilo que observa, mas libertar o invisível da natureza – e esse invisível são as forças do tempo e as forças do pensamento. Neste processo, o tempo vai perder a regularidade ao separar-se do movimento e libertar-se no sentido de ganhar pensamento. Para a artista pensar é sinónimo de conquista de tempo na arte e contrário ao senso-comum que vive na lógica da sucessão (repetição sem criação). É pois na Durée que o pensamento tem a possibilidade de se libertar do movimento. Nesse intervalo que se quer longo a criação e a obra de Patrícia sobressai. Nesse pequeno intervalo preenchido por afetos-memória/forças intemporais, a artista, mais do que tentar perceber o mundo, torna-se vidente, pois ao querer conhecer a duração das coisas, vai ver o que outros não vêem e assim tocar o fundo do tempo para nelas (coisas) entrar. Deste modo, ocorre um conjunto de obras que são pura memória actualizada, reinterpretação – subjectividade autentica…persistir no existir da memória feita em Obra. É, pois necessário organizar a nossa subjectividade pois todo aquele que tem o poder sobre o tempo torna a sua vida bela.
Pedro Miguel Arrifano
Professor Investigador Integrado
Centro de Humanidades / NOVA FCSH-UAc
Grupo de Investigação: Pensamento Moderno e Contemporâneo
Áreas de Investigação: História da arte, História do pensamento filosófico
História e teoria das ideias
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Dispositivo de Tempo #13, 2021
toner, caneta e corretor sobre papel
1270 x 1782 cm
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Cone da Memória #1 e #2, 2021
guache sobre papel
30 x 21 cm cada
(emoldurados)
NOT a self portrait, 2021
(34 desenhos, 42 x 29,7 cm e 42 27,8 cm), guache sobre papel
dimensões variáveis
Fazes-me falta, 2021
texto escrito a tinta permanente sobre cadeira, almofada e manta de croché
dimensões variáveis